Texto de Estudo

 Tiago 2:18

INTRODUÇÃO

Na lição anterior, vimos que Tiago alerta seus leitores sobre o fato de que cristãos se tornam transgressores da lei ao mostrar favoritismo aos ricos e ao desprezar os irmãos pobres. Nesse ponto, Tiago retoma o tema que vem explorando desde o início da carta, ou seja, a natureza da religião que salva.

Cristianismo autêntico é aquele que se mostra na prática. De forma direta e explícita, Tiago expõe nessa seção a ideia de que a fé sem obras é vã, morta, inútil. Essa seção é provavelmente a mais conhecida da carta de Tiago. Sua interpretação tem provocado grandes polêmicas na Igreja Cristã. Por isso, vamos tratar de um dos mais polêmicos dilemas do cristianismo: fé ou obras para a justificação? O estudo de hoje irá responder a essa pergunta.

 

DISTINÇÃO DA FÉ

A primeira coisa a entender aqui é que Tiago está fazendo uma distinção da fé. No versículo 14, ele diz: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras?” Algumas pessoas acham que Tiago está questionando fé e obras. Mas ele não está fazendo tal questionamento. Ele não está contrapondo fé com obras ou obras com fé. O assunto aqui tratado é somente fé, e não obras.

Há outro ponto que precisamos compreender no que diz respeito à fé. Tiago usa o termo “fé” em três sentidos em sua carta. O primeiro é o da fé pessoal no Senhor Jesus Cristo, que é provada pelas tribulações (cf. 1:3). O segundo diz respeito à confiança na revelação de Deus e de Jesus Cristo, suas promessas, poder e disposição para atender o fiel (cf. 1:6). O terceiro é a adesão às doutrinas do cristianismo, uma profissão de fé em Deus e em Jesus Cristo (cf. 2:1).

Isto também é explicado como fé subjetiva e fé objetiva. A palavra “fé” (gr. pistis), como encontrada no Novo Testamento, tem um uso tanto subjetivo quanto objetivo. O uso subjetivo diz respeito ao ato de crer (cf. Romanos 1:16-17; 10:17). Aqui temos o que os teólogos denominam como “fé salvadora”. O uso objetivo, por outro lado, tem a ver com aquilo que é crido. Nesse último sentido, ele é frequentemente mencionado no Novo Testamento como a fé. No sentido objetivo, a fé é o conteúdo doutrinário do Cristianismo, ou seja, aquilo que deve ser crido. Denota o conjunto de verdades em que cremos a respeito de Deus, salvação, céu, igreja etc. É o que nós chamamos de “doutrina” (cf. Gálatas 3:23 25; 1 Timóteo 1:19; 6:12; Judas 3).

O terceiro ponto que precisamos entender aqui é o conceito de obras no contexto da epístola de Tiago. Há aqueles que associam esta palavra com o termo paulino “obras da lei”, que ocorre três vezes em Romanos (3:20,28; 9:32) e seis vezes em Gálatas (2:16; 3:2,5,10). Em todas essas ocorrências, a expressão ocupa posição central no contexto, e é usada com uma conotação negativa.

Paulo emprega essa expressão cinco vezes para negar que a justificação pode ser obtida por intermédio da lei (Romanos 3:20-28; Gálatas 2:16). A expressão também é usada negativamente para se referir aos que estão debaixo da maldição da lei (Gálatas 3:10). Ele usa a expressão “obras da lei” para se referir aos atos de obediência à lei de Moisés, realizados pelos judeus da sua época, com a intenção de obter méritos diante de Deus. Para Paulo, ninguém pode se justificar pelas “obras da lei” simplesmente porque ninguém é capaz de fazer tudo o que a lei exige.

Todavia, não é este o sentido que Tiago tinha em mente quando se refere às obras, em sua epístola. A palavra “obra” é a tradução do termo ergon,  significando ato, ação, algo feito. Em Tiago 1:4 é traduzido como “ação completa”. E é esse o entendimento que Tiago usa frequentemente em sua carta; ou seja, denota a prática das virtudes cristãs realizadas em fé obediente a Deus (cf. 1:25; 2:14,20,24; 3:13). O termo deve ser entendido, aqui no capítulo 2, como atos de misericórdia para com os necessitados e, principalmente, como atos de obediência à vontade de Deus, conforme exemplificados por Tiago na vida de Abraão (2:21) e de Raabe (2:25). O enfoque não é no esforço despendido no ato, mas no resultado obtido.

Feitas estas considerações iniciais, podemos agora começar a nossa análise sobre a distinção da fé, em Tiago.

Em primeiro lugar, Tiago diz que existe um tipo de fé inútil. Observe o questionamento que ele faz no verso 14: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?” Tiago questiona se alguém, tendo uma fé que não é capaz de implicar em obras, se esta fé vai salvá-lo. Com isso, ele está questionando a qualidade e o tipo de fé. Portanto, ele questiona não a fé em si, mas uma fé específica, e afirma que se essa fé não implica uma manifestação concreta na vida da pessoa, isto é uma evidência de que essa fé é falsa. No versículo 17, ele diz dessa fé que está discutindo: “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta”. No versículo 26, de novo, vai dizer que, nessas condições, “também a fé sem obras está morta”.

A Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduz muito bem o sentido da palavra “obras”: “Meus irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé se ela não vier acompanhada de ações? Será que essa fé pode salvá-lo?”. Para Tiago, uma profissão de fé cristã que não for acompanhada das obras correspondentes que atestam sua genuinidade não é de proveito algum. O proveito da fé é a salvação. Uma fé sem obras não tem proveito algum porque é falsa. Portanto, não pode salvar. A lógica de Tiago é esta: a salvação é mediante a fé; a fé produz obras; onde não há obras, a fé não existe. Logo, profissão de fé sem obras que a acompanham não tem qual¬quer proveito.

A maior preocupação de Tiago era uma espécie de farisaísmo cristão, uma mentalidade que começava a se firmar no seio das comunidades de Cristo. O cristianismo estava se tornando, para alguns, um mero sentimento, apenas emoções. A fé vivencial exibida na prática de uma religião autenticada por atos estava se esvaindo. Isso se parece¬, em certo sentido, com os nossos dias, onde o mais importante é sentir, experimentar sensações e fazer afirmações de fé.

Tiago, então, ilustra seu questionamento com o exemplo de uma situação provável da vida real, para demonstrar que fé sem obras de nada aproveita, porque é uma fé inútil. Veja o que ele diz no verso 15: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?”. Havia muitos pobres nas igrejas cristãs no período apostólico, e Tiago manifesta em sua carta uma preocupação para com eles. Ele imagina uma situação de extrema pobreza, em que um irmão ou irmã não tem o que vestir ou comer. A carência dos irmãos pobres se manifesta nas duas coisas básicas da vida: carência de roupas e a falta de comida diária. Essa situação era uma realidade nas comunidades cristãs daqueles dias.

A fé não pode ser mero sentimento. No verso 16, Tiago diz: “Se vocês não lhes dão o que eles precisam para viver, não adianta nada dizer: ‘Que Deus os abençoe! Vistam agasalhos e comam bem’” (NTLH). Existe muito amor fútil em nosso meio. A pessoa é cortês, mas não é prestativa. Por amor, Tiago entende prestação de auxílio, ação. E nisso tem razão, pois o amor não pode ser apenas uma expressão de piedade no semblante. Para Tiago, a verdadeira fé está numa manifestação concreta por alguém.

Não adianta dizer: “que Deus os abençoe”, “Que Deus te dê paz, te aqueça e alimente”, “Vou orar por você”. São palavras vazias desacompanhadas da intenção de fazer algo por alguém. Esse cristão está sendo apenas cortês e não prestativo. Esta fé é mero sentimento, é simpatia inútil, por estar separada das obras cristãs que Tiago deseja ver na vida dos cristãos. A hipocrisia dessas palavras é muito grande e demonstra uma tremenda insensibilidade. É quase uma brincadeira de mau gosto: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”. Quem age assim, ignora a responsabilidade de quem tem e pode e a transfere para os próprios pobres, fazendo de conta que não se viu a pobreza deles. Eles que providenciem o que precisam! Imaginem isso ser dito a irmãos seminus e famintos por irmãos em Cristo, da mesma igreja local!

Tiago não está apenas enfatizando a hipocrisia e maldade dessas palavras, mas a inutilidade delas: “Qual é o proveito disso?”. Somente as palavras não vão aquecê-los e fartá-los. Algo mais se faz necessário: obras, ações, atitudes. As palavras são importantes, mas há ocasiões em que as palavras são desnecessárias ou insuficientes. E aqui está um caso: diante da carência óbvia dos irmãos, as palavras, por mais bonitas, doces e confortadoras que sejam, não têm proveito algum. Atitudes são requeridas.

E Tiago, então, conclui seu argumento, no verso 17: “Portanto, a fé é assim: se não vier acompanhada de ações, é coisa morta” (NTLH). A versão Almeida Revista e Corrigida traduziu por “morta em si mesma”, como uma criança que já nasce morta. Da mesma sorte que um cadáver é de nenhum proveito ou utilidade, e ele mesmo nada pode conseguir ou fazer, uma mera declaração de fé em Deus e Cristo Jesus não salvará a alma do pecador.

Em segundo lugar, Tiago nos diz que a fé se mostra pelas obras. Não são as obras que produzem fé ou favor de Deus. Da mesma forma que palavras bondosas para nada servirão aos necessitados se não forem acompa¬nhadas das coisas necessárias, uma profissão de fé, por mais ortodoxa, correta, profunda e erudita que seja, se não vier acompanhada de obras que atestem a sua genuinidade, também de nada aproveitará. Isto é, não salvará (2:14).

Em seu diálogo imaginário, Tiago diz no verso 18: “Mas alguém dirá: ‘Você tem fé; eu tenho obras’. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras”. Tiago desafia o cristão hipócrita a mostrar a fé que diz ter, sob o princípio de que somente pelas obras a verdadeira fé se manifesta. Ele confronta aquele que se gloria de ter fé, mas não tem obras. Não se trata de colocar fé contra obras. Não é fé ou obras, mas de demonstrar uma profissão de fé que se mostra viva por obras.

O ponto central de Tiago é que fé verdadeira só pode manifestar-se, ser conhecida e comprovada por meio de ações correspondentes. A mera profissão e a declaração de fé não são sufi¬cientes para provar sua genuinidade. Mais é requerido. Ele vai demonstrar isso pelo exemplo de Abraão e Raabe (2:22-25).

Em terceiro lugar, Tiago nos ensina que fé não é mera confissão ortodoxa. No versículo 19, Tiago levanta uma questão sobre o conteúdo da fé judaica: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem”. A doutrina mais preciosa do judaísmo era a unicidade de Deus (cf. Deuteronômio 6:4). Vivendo no meio de nações politeístas que acreditavam em vários deuses, o judeu se distinguia por crer em um só Deus, e fazia disso um tesouro teológico (cf. Marcos 12:29). Este era o ponto mais alto da doutrina judaica. E, Tiago está descrevendo ironicamente a profissão de fé do hipócrita, que se vangloriava de crer num só Deus, muito embora não tivesse obras que comprovassem sua fé.

Ortodoxia significa doutrina correta. Ter doutrina correta é muito importante e necessário. Mas, a palavra que expressa a maior necessidade da Igreja hoje é ortopraxia, que significa conduta correta.  A conduta condizente com a fé, eis de que necessitamos. Naqueles dias, algumas correntes filosóficas supunham que o simples conhecimento da verdade automaticamente levaria à sua prática. Todavia, Tiago diz que o mero conhecimento intelectual da verdade da fé não é suficiente (cf. Mateus 7:21-23).

Então Tiago apela: “até os demônios creem e tremem de medo” (2:19, NTLH). Crer na unicidade de Deus, crer no seu poder e aceitar que Jesus é Filho de Deus é uma profissão de fé assumida até pelos demônios. O que Tiago contrasta é a fé do hipócrita com aquela dos demônios: “Tu crês... os demônios também creem”. Ao professar a verdade sobre Deus, o cristão faz bem, pois Tiago não é contra a doutrina correta, a exatidão teológica em pontos doutrinários cruciais e fundamentais. Contudo, ela, por si só, não é suficiente. Uma profissão de fé doutrinariamente correta, sem obras, ações e atitudes decorrentes, é tão inútil quanto palavras vazias diante de pessoas carentes e necessitadas (2:16).

Em quarto lugar, Tiago nos fala que existe um tipo de fé útil. Tiago continua, no verso 20, sua diatribe com o crente hipócrita, questionando: “Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é inoperante?”. O termo “insensato” significa literalmente vazio, e é usado figurativamen¬te nas Escrituras para designar pessoas desprovidas de valores espirituais e morais (levianos). No caso de Tiago, a ideia é de alguém desprovido de bom senso e conhecimento das coisas de Deus. Daí, insensato.

Há certo tom de indignação e impaciência na pergunta de Tiago, pois para ele é abso¬lutamente claro que a fé sem obras demonstra que a pessoa ainda não foi salva e que somente um insensato pensaria diferente. Então ele nos fala que existe um tipo de fé inoperante. Inoperante significa ocioso, preguiçoso, sem uso, inativo. Ou seja, ela é inútil para salvar.

 

DOIS EXEMPLOS DE FÉ OPERANTE

Para dar mais peso ao seu argumento, Tiago introduz nos versos seguintes dois exemplos tirados da história bíblica do Antigo Testamento de que a fé e as obras andam juntas.

A primeira prova escriturística que Tiago apresenta de que fé e obras andam juntas é a obediência de Abraão, a quem ele chama de “o nosso pai”. Observe o que ele nos diz nos versos 21 a 23: “Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou, e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus”.

Quando chegamos ao verso 24, encontramos uma dificuldade que tem estado na mente da maior parte dos cristãos: “Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente”. Acontece que Paulo diz que “o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Romanos 3:28). Por isso, algumas pessoas pensam que aqui há uma contradição irreconciliável entre Tiago e Paulo, ao tratarem da justificação de Abraão. Paulo deixa bem claro que Abraão foi justificado pela fé (Romanos 4:1-3). Para Tiago, a justificação de Abraão foi pelo que ele fez quando se dispôs a oferecer sobre o altar seu filho Isaque. Para Paulo, ele foi justificado porque creu em Deus. Como é possível entender essa aparente discordância entre os dois?

Uma das regras de interpretação da Bíblia nos ensina que é necessário saber o propósito do autor do texto estudado, o que se propunha a dizer e para quem dizia.  Então vamos aplicar isso ao nosso texto em estudo.

Paulo é um teólogo. Sua carta à Igreja em Roma é um tratado teológico no qual se discute o que é necessário para a salvação. Tiago é um pastor que elabora um tratado ético. Sua discussão é saber o comportamento dos fieis, como estes devem proceder, postos que são salvos, mas que não demonstram pelas obras, nenhuma evidência de devoção sincera a Deus e à sua Palavra.

Tiago e Paulo estão ensinando sobre fé e salvação em perspectivas absolutamente diferentes. Paulo ensina teologia. Tiago ensina ética. O que Paulo está ensinando aos romanos é que para o novo nascimento, para a conversão, as obras não têm valor. Só a fé é válida para produzi-los. O que Tiago está dizendo é que após a conversão, a fé sozinha não tem valor. O versículo 22 nos diz muito bem: “Veja como a sua fé e as suas ações agiram juntas. Por meio das suas ações, a sua fé se tornou completa” (NTLH).

Há uma segunda distinção a ser feita, para entendermos sobre o que Tiago está falando: a distinção da justificação. Para Deus não existe uma pessoa justa, “nem sequer um” (Romanos 3:10; Tito 3:4-5). Como, então, uma pessoa, considerada por Deus como injusta pode chegar diante dele e ser aceita? Só existe um meio: ele precisa justificá-la “gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:24). Justificado, aqui, significa ser tido por justo, ser visto como justo, ter o crédito como justo por causa do que Jesus fez. E o que ele fez? Ele nos resgatou por meio da sua morte na cruz, para termos paz com Deus (Romanos 5:1). Esse é o uso mais comum para o termo “justificação” na Bíblia.

No entanto, Tiago não está falando sobre isso. O verbo empregado por ele, que foi traduzido por justificar ou justificação, também tem um segundo sentido nas Escrituras. Justificar não é somente ser declarado justo, mas também ser justo, manifestar a justiça (cf. 1 Timóteo 3:16; Romanos 3:4). Quando Tiago fala de justificação pelas obras, ele não está ensinando que somos aceitos por causa das obras de justiça, mas sim que nossas obras manifestam que fomos aceitos por Deus.

Tiago diz claramente que Abraão foi justificado por obras quando ofereceu o seu filho Isaque (2:21). E Paulo diz: “É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gálatas 3:6). De fato, Abraão creu e foi justificado. Como resolver isso? A passagem que Paulo está se referindo é Gênesis 15:6 que diz: “Ele creu no Senhor e isso lhe foi imputado para a justiça”. Ou seja, quando Deus revelou o seu plano a Abraão, ele creu e foi justificado. Quando Tiago fala da justificação de Abraão, ele está citando Gênesis 22 quando Deus desafiou Abraão a sacrificar seu filho Isaque como um holocausto queimado. Portanto, esta justificação de quando Abraão oferece seu filho Isaque é diferente da justificação mencionada por Paulo. Ele já havia sido justificado antes com o fato de ter crido naquilo que fora dito por Deus. E ele fora declarado justo. Mas agora, que ele está oferecendo o seu filho Isaque, está manifestando toda a justiça de Deus por meio da obediência das suas obras e da sua conduta.

Tiago considera a obediência de Abraão como obras: “Não foi por obras que Abraão foi justificado?” (2:21). Paulo diz expressamente: “Se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus” (Romanos 4:2). De acordo com Paulo, Abraão foi justificado pela fé, diante de Deus, bem antes de oferecer Isaque no alto do monte Moriá, quando creu na promessa de que sua descendência haveria de ser tão numerosa quanto às estrelas do céu (cf. Gênesis 15:1-6; Romanos 4:3; Gálatas 3:6). O que Tiago está dizendo é que a justificação de Abraão se consumou pelo ato de obediência executado anos mais tarde, quando ofereceu Isaque (2:22). Então, diz Tiago no verso 23: “Se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (cf. Gênesis 15:6); isto é, confirmou-se aquilo que ocorreu anos antes, quando Abraão creu em Deus. Portanto, segundo Tiago, a imputação da justiça feita a Abraão foi exatamente quando ele creu em Deus, e nisso ele concorda integralmente com o apóstolo Paulo.

Tiago, então, no verso 24 continua se dirigindo ao homem insensato, que pensa que fé, sem obras, tem alguma utilidade: “Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou”. Aquele ato de obediência mostrou ao mundo que Abraão cria realmente em Deus, justificando-o, dessa forma, diante dos homens. Aqui percebemos com clareza o pensamento de Tiago sobre a relação entre fé e obras, e que ele em nada contradiz o restante do Novo Testamento.

Fé e obras andam juntas e cooperam mutuamente. A relação entre elas é um caminho de mão dupla: a fé produz obras, que, por sua vez, aperfeiçoam a fé. A fé que salva produz obras que explicitam a salvação. Mantenhamos essas duas coisas sempre em perfeito equilíbrio. Não podemos negligenciar nem a fé nem as obras. Porém, cada uma deve ser mantida em seu lugar: a fé, a raiz, as obras, o fruto.

Tiago apresenta em seguida mais uma prova das Escrituras do Antigo Testamento de que a justificação, no contexto em que ele argumenta, é por obras: o caso de Raabe. Veja o questionamento de Tiago: “De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho?” (2:25). Tiago diz que este é um caso semelhante ao de Abraão, muito embora entre as duas personagens exista uma grande diferença, como Tiago mesmo enfatiza ao qualificar Raabe de “a meretriz” ou “prostituta” (Josué 2:1; Hebreus 11:31).

Tiago propositadamente colocou juntas duas pessoas tão diferentes em caráter e origem para mostrar claramente que ninguém, seja qual for sua condição, nação, classe ou posição social, jamais teve fé verdadeira sem resultados. O que há de semelhança com Abraão é o fato de que Raabe também foi justificada por obras. Abraão é conhecido como o pai da fé e da nação judaica. Raabe, por outro lado, era gentia e pecadora. Mesmo assim, os dois tiveram uma fé que produziu resultados. 

A obra específica a que Tiago se refere é o fato de Raabe acolher os emissários de Josué, os espias que vieram olhar a cidade de Jericó, de escondê-los dos soldados da cidade e afinal fazê-los partir por outro caminho, pela janela e não pela porta, salvando-os da morte (Js. 2.1-24; 6.22-25). À semelhança de Abraão, a obra de Raabe resume-se num ato de obediência e temor a Deus, como reflexo da fé que ela possui no Deus dos hebreus. Ela é justificada no sentido de demonstrar, por essa atitude em que arrisca a própria vida, que sua confiança no Deus de Israel é genuína e completa. Assim, conclui Tiago, a fé se mostra pelas obras, e as obras completam a fé.

Tiago conclui, então, sua tese, dizendo no verso 26: “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta”. Em sua comparação, fé sem obras é como um corpo sem espírito: ambos estão mortos! Ele já havia se referido à fé sem obras como “morta”, no verso 17. Agora a figura vai um pouco mais além, pois a causa da morte é a ausência do fôlego de vida.

A fé é dita “morta”, pois, à semelhança do cadáver, é inoperante. Não age, não se movimenta. Podemos perceber que um corpo está morto pela ausência de respiração. Da mesma forma, a fé morta se evidencia pela falta de obras. Ela é um cadáver. O ponto de Tiago aqui é que corpo e espírito andam juntos. O corpo precisa do espírito. Da mesma sorte, fé e obras andam juntas. Quando fé e obras estão juntas, temos vida.

 

CONCLUSÃO

A fé útil, na visão de Tiago, é a que demonstra a sua existência na obediência. O apóstolo Paulo diz que somos destinados para as boas obras (Efésios 2:10). A salvação é somente pela fé, mas por uma fé que não está só. Uma fé viva se expressa por obras. Olhamos para uma vida de fé na qual as obras não são presentes. Tudo está certo, tudo está nos seus devidos lugares, mas ela é tão viva quanto um cadáver. Ou seja, está morta. Crer e não agir é ser como um defunto espiritual, como um corpo sem vida.

 

 

 

 

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