Texto de Estudo

Tiago 1:2:

2 Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações;

INTRODUÇÃO

Tiago começa sua epístola com o que poderia ser chamado de terapia da realidade. Ele deseja que os fiéis saibam que devem esperar por problemas inevitáveis na vida. Mas também quer que saibam que a fé em Deus pode fazer a diferença nesses tempos difíceis. Ele aprendeu de Cristo que a felicidade não pode depender das circunstâncias da vida, e sim da atitude que tomamos diante destas. A epístola do irmão de Jesus nos apresenta a realidade por detrás das provações e o propósito de Deus ao permitir que elas nos alcancem. O Senhor deseja, por meio da sua Palavra, produzir uma atitude de confiança nos eleitos. Enquanto o mundo se desespera diante das aflições, eles são aperfeiçoados durante este processo.

Assim, no estudo de hoje, vamos aprender, à luz da Bíblia, como o Senhor deseja trabalhar com o seu povo por meio das provações. Porém, antes de adentrarmos ao estudo, convém explicar o significado da palavra “provação” (ARA, NVI) e “tentação” (ARC). Ambas são traduções da palavra grega peirasmos. Nem sempre é evidente o que o autor tem em mente. O contexto da expressão, contudo, geralmente fornece uma ideia do que o autor intentou dizer. 

Peirasmos, no sentido de provação, significa “adversidades externas” (1:2,12). No sentido de tentação denota aquele “impulso íntimo para o mal” (1:13,14).  No texto que vamos analisar, comparando com o verso 12, em que a expressão aparece outra vez, percebe-se que Tiago se refere às tribulações e sofrimentos de seus leitores como provas que eles deveriam suportar e vencer.

 

A REALIDADE DAS PROVAÇÕES

Tiago introduz sua carta saudando as doze tribos da Dispersão, ou seja, o povo de Deus espalhado pelo mundo conhecido. Ao que parece, ele não está se dirigindo a descrentes, e sim a judeus convertidos que claramente estão passando por provações. Por serem judeus eram rejeitados pelos gentios, e pelo fato de serem convertidos a Cristo sofriam rejeição pelos compatriotas.

Os problemas, as provações e as dificuldades são inevitáveis neste mundo. Todavia, prolifera em nossos dias uma pregação falsa nas igrejas evangélicas e que assim ensina: “Siga a Cristo e seus problemas acabarão”. Não são poucos os pregadores do Evangelho que têm apresentado a vida cristã como um mar de facilidades, em que os problemas e provações não estão presentes, porque não é da vontade de Deus que seus filhos convivam com adversidades. Muitas pessoas dão crédito a tal ensinamento, envolvem-se com Cristo, passam por tribulações e se desorientam por completo. 

Parece absurdo, mas algumas denominações dão autoria às provações a Satanás, pregando a ideia de que a prosperidade material e o pleno gozo emocional devem estar alinhados na vida do crente. Inúmeros são os cânticos que enfatizam a vitória sobre a provação, como se esta fosse um grande mal na vida do cristão. Essa não é a verdadeira mensagem bíblica, pois em todos os tempos os filhos de Deus passaram e passam por grandes tribulações. O nosso compromisso com Cristo não nos isenta das tribulações. A carta de Tiago demonstra claramente que os cristãos, daquela época, passavam por problemas pessoais e, de igual forma, vivenciavam tribulações no contexto de ser igreja.

O que se vê, com muita frequência, são pessoas revoltadas e inconformadas com as provações pelas quais passam. Muitas blasfemam e se rebelam contra Deus, atribuindo-lhe culpa pelas adversidades da vida. Há, também, os que pensam que Deus tem que isentá-los das provações e dificuldades, pelo fato de terem se tornado cristãos. Estes são aqueles da vida cristã fácil, que não compreendem ainda que a cruz faz parte da caminhada cristã neste mundo. Seguir a Cristo não é ter um seguro contra problemas. Os cristãos têm problemas, e aos montes!

Nestes versos, Tiago aponta quatro verdades importantes sobre as provações. Vejamos:

1. As provações são inevitáveis. Tiago não diz “se enfrentares provações”, mas “quando passardes por várias provações” (1:2). O verbo “passar” significa “encontrar, deparar-se com”. De forma que o cristão não precisa criar provações, elas simplesmente surgirão em sua vida.  O fiel que espera que a sua vida cristã seja fácil certamente terá um choque. A vida sempre oferece alguma crise, alguma decisão difícil de tomar, alguma mágoa difícil de ser absorvida, alguma doença incurável ou um acidente.

O interessante da vida é que ela é uma escola prática. Podemos fazer inúmeros estudos sobre as provações e a forma de enfrentá-las. Entretanto, aplicar os ensinamentos na prática é o mais difícil. Não podemos supor que vamos passar por este mundo ilesos de sofrimentos. Pelo contrário! Estamos expostos diariamente às tribulações pelo simples fato de sermos seres humanos. Qualquer um de nós está susceptível às enfermidades, a sofrer um acidente ou a passar por uma desilusão. O apóstolo Pedro conforta os cristãos que estavam sendo provados em seus dias, dizendo-lhes: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo” (1 Pedro 4:12).

2. As provações são variadas. Quando Tiago diz que passaremos por “várias” provações” (1:2), ele usa a palavra grega poikilos, que tem o significado de “variegado, multiforme, pintalgado”, e pode ser traduzido mais precisamente por multicoloridas. O conceito que Tiago anuncia é que as provações podem vir em uma variedade de maneiras e formas. Pedro usa o mesmo termo, ao dizer que os cristãos seriam “contristados por várias provações” (1 Pedro 1:6). Assim como há variedade de cores, há variedade de tribulações. As tribulações da vida não são todas iguais.

3. As provações são imprevisíveis. A tradução do verbo “passardes” está na voz passiva, significando o aspecto imprevisto das provações. A palavra grega peripesete significa “cair em algo”, “cair de surpresa”, “cair de modo a ser envolvido”. É a mesma palavra empregada por Lucas, ao dizer que o homem, a quem o Samaritano ajudou, “caiu nas mãos dos salteadores” (Lucas 10:30).  Em nosso país, usamos a expressão “caiu no conto do vigário”. A provação não marca data e hora, ela simplesmente acontece. O risco de acontecer não quer dizer que irá ocorrer, nem quando irá ocorrer.

4. As provações são um teste para nossa fé. Segundo Tiago, a tribulação é um teste para a fé do cristão por meio do sofrimento. Isso não quer dizer que Deus faz com que os acontecimentos difíceis, desprezíveis e devastadores na vida nos acontecem. O que Tiago quer dizer é que a nossa fé, a nossa confiança em Deus é posta à prova “quando as coisas vão mal”. Diante da prova, a fidelidade e o compromisso com Deus poderão ou não ser confirmados. 

A confiança em Deus não permite reservas. Antes requer uma entrega total a ele, sem depositar qualquer esperança às soluções mundanas. É por meio da provação que o Pai nos educa e deseja produzir uma fé firme e inabalável. Aquele que passa pela adversidade, com fé, consegue enxergar os propósitos de Deus, podendo vislumbrar, no horizonte, uma fé aperfeiçoada e alicerçada em Cristo. 

Caso o cristão não saiba acolher o infortúnio, irá tê-lo como um inimigo, produzindo um sentimento de repulsa e revolta. Examinar a dificuldade como um fim em si mesmo faz aquele que é provado se sentir uma vítima da ira de Deus, levando-o à desistência da luta e ao abandono da fé. A resignação diante da luta demonstra infidelidade e incredulidade. Tal postura demonstra uma relação de amizade condicional com o Altíssimo, visto que somente na bonança existe submissão, mas na tempestade o vínculo é rompido.

 

A ATITUDE NECESSÁRIA DURANTE AS PROVAÇÕES

Tiago não esconde a realidade das provações. Elas são reais e provam a nossa fé. Entretanto, o servo de Cristo deve ter uma postura distinta. Concernente à nossa atitude durante as provações, ele diz: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” (1:2). A exortação de Tiago é que os cristãos encontrem “toda a alegria” no meio das múltiplas provações às quais são submetidos. Literalmente, ele orienta os cristãos a considerarem as tribulações, que funcionam como prova de fé, como motivo para uma grande alegria, um regozijo puro ou pleno. Portanto, enquanto aqueles que não têm esperança murmuram ante as aflições desta vida, os da fé devem ver nisso um motivo de alegria.

Porém, quando Tiago afirma que devemos ter nas provações um motivo de alegria não está defendendo uma espécie de masoquismo, isto é, sentir prazer nos sofrimentos, pois esta é uma situação na qual fica difícil sentir alegria. Tiago não diz que as provações da vida constituem uma alegria. As provações da vida não são alegres, mas devemos considerá-las como tal.

Igualmente, ao requerer alegria diante das provações, Tiago não pensa num sentimento fingido, numa manifestação exterior diferente daquela que passa no interior. O que ele ensina é que os resultados das provações devem produzir grande alegria no coração do cristão. É a alegria de saber que Deus é fiel e não permitirá que sejamos tentados além das nossas forças. Pelo contrário, juntamente com a tentação, nos proverá o livramento, de sorte que a possamos suportar (1 Coríntios 10:13).

Alguns autores consideram que a alegria vem depois da tribulação. Trata-se, portanto, de uma “alegria escatológica”, na qual o cristão antecipa o galardão futuro. Conhecedor da recompensa que receberá no final, o cristão desfruta na atualidade a alegria eterna que está por vir. É o desfrutar o reino de Deus agora. 

Adotar uma postura alegre numa situação que gera dor pode parecer um contrassenso. Do ponto de vista lógico, ninguém pode estar alegre quando está passando por uma provação. O fato é que não nos alegramos por causa da provação, e sim na provação. A alegria surge como resultado da fé. O cristão se alegra porque sabe que passar pela provação o identifica como eleito de Deus. Os grandes exemplos da Bíblia e da História não se tornaram heróis em virtude das brisas, mas por suportarem temporais. E por quê? Porque buscavam a promessa. Através das provas, Deus coopera para o amadurecimento do seu povo, conduzindo-o para a glória final.

Enxergar com os olhos espirituais determinam nossa atitude perante os problemas. O promotor de justiça Rodrigo de Oliveira Vieira certa vez disse: “Mesmo os dias nublados e chuvosos podem proporcionar belas imagens! A vida é assim. É uma questão de sensibilidade e de estar com os olhos e a alma abertos”.

 

O PROPÓSITO DAS PROVAÇÕES

Tiago tem em mente o propósito das provações. Ele diz: “Sabendo que a prova da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança” (v. 3). A Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz assim: “Pois vocês sabem que, quando a sua fé vence essas provações, ela produz perseverança”. Produzir uma postura ativa, perseverança, é o propósito da provação. As dificuldades existem para serem vencidas. É possível vencê-las, não no poder da carne, mas no poder do Espírito Santo e na força da fé.

Então, Tiago responde uma pergunta: Por que devemos aceitar as provações de bom grado? Porque este teste ao qual a fé é submetida forja a resistência. Em vez de repetir o termo grego peirasmós, Tiago substitui-o por dokímion, mais clássico e menos teológico, que significa “o teste, a prova, meio de prova, o que é provado e crível”.  Essa palavra é a mesma empregada por Pedro, ao dizer: “Para que a prova da vossa fé…” (1 Pedro 1:7). Em ambos os casos, o sentido não é a prova ou o teste em si, mas o resultado, que é a genuinidade da fé. 

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos, afirma que “a tribulação produz perseverança; e a perseverança, um caráter aprovado” (Romanos 5:3 NVI). A palavra grega para “perseverança” é hypomoné, que significa “ação de perseverar, sofrer, suportar calma e heroicamente”. Não é, no entanto, uma atitude passiva. Pelo contrário, é uma atitude dinâmica.  Não é a simples capacidade de suportar adversidades, mas sim a capacidade para transformá-las em grandeza e em glória. É a qualidade que torna um homem capaz não só de sofrer adversidades, mas também de dar-lhes as boas-vindas e derrotá-las. O que assombrava os pagãos durante os séculos de perseguição era que os mártires não morriam tristes, mas sim cantando. 

Algumas versões americanas traduzem o termo grego hypomoné pela palavra endurance, que significa, entre outras coisas, resistência, termo empregado pelos educadores físicos no treinamento de força resistido, no qual o objetivo é enrijecer os músculos e aumentar a massa muscular. Portanto, o teste de fé, segundo Tiago, produz resistência. É nas provações que o caráter se enrijece e se torna mais forte. A resistência não pode ser alcançada por meio da leitura de um livro, ao ouvir um sermão ou ao fazer uma oração. Tiago diz que a única maneira que a paciência e o caráter podem ser desenvolvidos em nossa vida é por meio das provações! São as provações que forjam a fé.

Assim, perseverança não é se entregar, não é adotar uma postura passiva diante da circunstância; contrariamente, perseverar é ser ativo, é estar confiante e agir com coragem e determinação. Perseverar é segurar nas mãos de Deus, confiando que ele é fiel e poderoso. O cristão tem duas posturas diante das provas: encará-las ativamente ou se entregar passivamente. O que Tiago determina é que o cristão deve encarar o problema como ferramenta de Deus, que o molda, e alegremente siga sua marcha.

 

O RESULTADO DAS PROVAÇÕES

Tiago diz ainda que a perseverança, contudo, não é o final do processo. A obra deve continuar até a perfeição: “Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (1:4). Esse conceito vem sob a forma de uma ordem. Literalmente, Tiago está dizendo que “a perseverança deve ter sua ação completa”. Em outras palavras, os cristãos deveriam permitir que a perseverança fosse plena e completamente produzida neles, por meio das provações. Não deveriam desistir, nem desanimar em meio às tribulações que enfrentavam, mas suportar até que a perseverança fosse plenamente aperfeiçoada neles, até que a sua ação (obra) fosse completa. 

Uma vez que o cristão se mantém firme, não declinando mesmo diante da mais forte provação, três resultados advêm da perseverança:

1. Ela torna o cristão perfeito. O objetivo final de Deus nas provações é o de que os cristãos sejam perfeitos. Esse termo merece explicação. Não significa obviamente uma ausência de defeitos, uma vida isenta de pecados. A palavra grega usada é téleioi, plural de téleios, que pode apresentar vários sentidos: “perfeito, completo, terminado, acabado, cumprido, que leva a termo, que realiza, que vai até o fim, adulto, maduro, plenamente desenvolvido”. 

Nos papiros antigos, esse termo era usado para designar a maioridade civil das pessoas, que se tornavam responsáveis. Era usado também para designar frutos maduros e para mercadorias em boas condições ou completas. Entendemos, então, que à medida que vamos vencendo as provações e fortalecemos a nossa fé, tornamo-nos adultos espirituais. Fugir das lutas não conduz à maturidade. Desviar-se ou ignorar os problemas também não. Mas, enfrentá-los e vencê-los, isto sim conduz a um estado de adultos, tanto espiritual quanto emocionalmente.

2. Ela torna o cristão completo. É na perseverança plena que reside a integridade do cristão, ou a sua inteireza ou a sua completude. A palavra grega, traduzida por íntegros, é holokleros, e significa “inteiro, pleno, coerente, intacto, perfeito em cada uma das partes”. Nas Escrituras, é usada tanto como referência para o animal que será oferecido em sacrifício a Deus, como ao sacerdote que poderia servir a Deus. Representa, assim, a capacitação que Deus opera no cristão, para retirar deste toda mancha e torná-lo plenamente perfeito para o serviço de Deus.

3. Ela remove as deficiências do cristão. Segundo Tiago, a provação tem, em última instância, que remover todas as deficiências do cristão. Outras versões vertem para: “Em nada deficientes” (ARC); “sem fraqueza alguma” (TEB), “não falhando em nada” (NTLH). É isso o que se espera do cristão. Este é um aspecto desafiador. O verbo leipomenoi está conjugado no modo particípio presente, o que descreve uma condição permanente.

 

CONCLUSÃO

A provação é um meio que Deus utiliza para aperfeiçoar o crente. E como a atuação de Deus é constante, visto que seu povo ainda necessita desenvolver-se espiritualmente, as provações continuarão incessantemente enquanto houver vida. É correto afirmar que sem as lutas não há crescimento, e sem crescimento não há amadurecimento. Pode-se dizer que, na visão de Tiago, a provação deve ser recebida como quem recebe um amigo com alegria. Em virtude dela, podemos ser provados e aprovados. E, pela graça de Deus, recebermos a coroa da vida.

Devemos adotar uma postura diversa frente às intempéries da vida, sendo elas comuns a todos os cristãos. Principalmente, porque estas nos fazem perceber que não fomos alcançados somente pelos infortúnios, mas primordialmente pela eleição de Deus. Precisamos reconhecer que avançar ou sucumbir depende do nosso relacionamento com o Pai.

É desejo do Altíssimo que seu povo esteja apto, e para isso ele deixou sua Palavra e enviou o Espírito Santo. No dia mais escuro da vida, devemos adotar uma posição de submissão a Deus e nunca esquecermos do galardão que ele tem preparado para aqueles que perseveram.