Texto de Estudo

Dt. 10:12-13

 

 

INTRODUÇÃO

Antes de estudarmos sobre os Dez Mandamentos, de uma forma mais específica, precisamos fazer a distinção que há entre eles (Lei moral) e as demais leis, que tiveram um caráter transitório para o povo de Israel. Compreender a separação que existe entre a Lei Moral e Lei cerimonial é muito importante, pois boa parte dos cristãos de hoje crê que a Lei de Deus foi abolida quando Cristo morreu na cruz. Essa errônea compreensão deve-se ao fato de que tais crentes acreditarem que quando a Bíblia refere-se à “Lei”, está indicando todas as leis, pois atentam que só há uma lei, a Lei de Moisés. É certo que, em especial ao que se refere aos quatro últimos livros do Pentateuco, Moisés foi o locutor de todas as leis, mas não o mentor e autor. Cada lei dada por Deus tem um fim específico, e compreender a objetividade de cada uma delas é um intento necessário.

 

OBJETIVOS DOS PRECEITOS LEGAIS BÍBLICOS

Qualquer povo, nação ou, mesmo, qualquer grupamento de pessoas que se pretenda organizado, deverá assentar-se em leis regentes das condutas tidas como aceitáveis, indicando as reprováveis e sua correspondente sanção (punição) conforme seja o grau de reprovabilidade. Daí, o surgimento da máxima atribuída ao jusfilósofo Ulpiano em seu famoso “Corpus Iuris Civilis”, que diz: “ubi societas, ibi jus” (onde está a sociedade, aí está o Direito). 

Semelhantemente, o Governo de Deus se alicerça em leis. Aliás, não é exagerado afirmar que, assim como Deus é amor, seu governo, em proporcional medida, está calcado na Lei do Amor. A ausência de lei, chama-se anomia (gr. a : contra, anti, ausência de; e nomos: lei) e esta (ausência) leva, indiscutivelmente, à anarquia. Notemos que, tanto na Velha, quanto na Nova Aliança, o povo de Deus era regido por leis. Aliás, a concepção de uma aliança (testamento, tratado, convenção e/ou pacto), pressupõe a existência de normas de regência dos direitos e obrigações firmados entre ambas as partes. Assim, não se ignora que o povo de Deus (gr. laos to theós) em todos os tempos, incluindo-se na Nova Aliança, pautou sua conduta pelos mandamentos de Deus. As leis, de uma forma geral, estruturam um povo, uma sociedade, ou organização, evitando que o caos se estabeleça. As leis dadas por Deus, quer morais ou não sempre tiveram um objetivo: proteger e cuidar das pessoas, e em todos os sentidos, como versa no nosso texto básico - “Agora, pois, ó Israel, o que é que o Senhor pede de ti, senão que temas o Senhor, teu Deus, e que andes em todos os seus caminhos,(...) para o teu bem?”. (grifo nosso) O Senhor não deu suas leis com o objetivo de reprimir-nos, ao contrário, elas são a prova de seu amor a nós, porquanto, quem ama cuida. Algumas destas leis tiveram um caráter transitório, ou seja, foram operantes enquanto se faziam necessárias (em destaque: Leis Cerimonial e Civil, embora existam outras), mas a Lei Moral é perpétua à todos os tempos. A seguir trataremos estas diferenças.

 

DISTINÇÃO DE LEIS

Os reformadores – Lutero, Calvino, Zwinglio e outros – tiveram o discernimento de reconhecer no rol de escritos veterotestamentários a existência de diferentes ordens classificatórias de leis. Assim por exemplo, vislumbraram a existência de leis civis, leis cerimoniais e lei moral. Esta classificação tem sido adotada por diversas denominações religiosas.

De uma forma modesta, longe da construção de um “Direito Comparado”, podemos estabelecer conexões entre o direito ocidental adotado no Brasil (sistema da civil law), e a legislação cravada no Pentateuco, como segue: a) leis sanitárias (Levíticos 11 a 15); b) leis agrárias, atinentes ao uso racional do solo (Levíticos 25:1-27; Números 26:52-65); c) leis civis, abrangendo o direito de família, a venda e compra e a responsabilidade civil e seus consectários, tais como a indenização por eventuais danos materiais (Levíticos 18:1-30; 19:9-37; Números 27:1-11); d) leis penais (Êx 21:1-36; 22:1-15; Levíticos 20:1-27); e) leis de execução penal (Êx 23:1-3; Números 35:9-34); f) leis de procedimentos judiciais (Números 5:11-31); g) leis administrativas (Levíticos 19:33-37; 21:1-23); h) leis previdenciárias (Levíticos 25:35-55); i) leis cerimoniais, atinentes ao ritual do santuário, por exemplo (Levíticos 16 17; 23; 24:1-9); e, por fim j) a lei moral, ou Decálogo, mais conhecida como “Os Dez Mandamentos” (Êx 20:1-17; 31:18; 34:1; Deuteronômio 5:6-21). Podemos no entanto, classificá-las em três grupos principais, a saber: Lei Moral, Leis Cerimoniais e Leis Jurídicas (ou Civis).

Muitas destas leis, principalmente as cerimoniais, prefiguravam as coisas vindouras e, em verdade, apontavam para Cristo, a dádiva e o bem maior concedido por Deus aos filhos de Adão. A teologia sistemática trata esta matéria com as expressões “tipo” e “antítipo”, ricas de significado, porquanto encontraram seu cumprimento e realização em Cristo. Assim, por exemplo, quando João viu Jesus, bradou: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João 1:36). Deste modo, não é difícil perceber que os cordeiros imolados no ritual do santuário, na Velha Aliança, prefiguravam o Cristo que, “na plenitude dos tempos” (Gálatas 4:4) haveria de se manifestar. E com a morte de Cristo, o perfeito e suficiente sacrifício pelo pecado de todos, interrompeu-se a vigência das leis cerimoniais. Cumpre alertar aos amados irmãos para a realidade de que muitos dos simbolismos da Velha Aliança eram, deveras, sombras das coisas vindouras. De igual modo Paulo, ao discorrer sobre a rocha que produziu água dessedentando o povo de Deus durante o êxodo rumo à Terra Prometida, categoricamente afirmou: “E a rocha era Cristo” (1 Coríntios 10:4). E, em 1Coríntios 5:7 o apóstolo afirma que “Cristo é a nossa Páscoa”.

Estes são apenas alguns dos múltiplos exemplos que o Novo Testamento fornece ao estudioso que busca descobrir a conexão entre o “tipo” e o “antítipo”, revelados nas Escrituras. Mas, conquanto assim admitamos, temos de convir que o simbolismo que se estabelece entre as figuras típicas, de modo que com o surgimento da figura real a “sombra” fique esmaecida e mesmo aniquilada, não se verifica isso nos preceitos da Lei Moral (Decálogo), expressão do caráter de Deus. Neste encadeamento de ideias, ninguém pode, em sã consciência, afirmar que o preceito proibitivo do adultério, ou da idolatria, ou do furto, ou da cobiça, ou da quebra da observância do santo sábado, sejam apenas figuras típicas, que teriam encontrado seu cumprimento e realização em Cristo. Se assim não fosse, indaga-se; tais preceitos do Decálogo estariam tipificando o quê, exatamente? Advirta-se, alto e bom som, que os reclamos da Santa lei de Deus, por serem a expressão de seu santo caráter, não se delimitam no tempo e nem no espaço, mas se projetam na eternidade, como eterno é o Grande Eu Sou!

 Jesus fez uma breve contraposição entre a Lei Moral e a Lei Cerimonial conforme observamos no Evangelho de Marcos 7:1-20. Nessa perícope, o fato de manter um mandamento (honrar os pais) e revogar outros (que tratam de alimentos impuros) talvez indique que o Mestre fazia distinção entre as leis “moral” e “cerimonial”. Há indícios dessa distinção nos Evangelhos, no destaque que Jesus dá aos “preceitos mais importantes da Lei” (cf. Mateus 23:23).  No caso do texto de Marcos, a maioria dos teólogos concorda que Jesus “considerou puros todos os alimentos” (v.19), afirmando que o que contamina o homem não é o caráter cerimonial da lei (alimentos), mas o moral: “Porque de dentro do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza [...] todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem” (Marcos 7:21-22). 

Em resumo, podemos afirmar que quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:

a)A Lei Judicial tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. 

b)A Lei Cerimonial tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. 

c)A Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões.

Podemos concluir este tópico afirmando que a lei cerimonial cessou porque continha apenas sombras do real, e quando Cristo veio, não houve mais necessidade das sombras; similarmente, a lei judicial cessou, porque quando o estado de Israel chegou ao fim, não havia razão para tais leis. Estas leis tornaram-se obsoletas por causa da sua própria natureza. Contudo, isso não pode ser dito da Lei Moral, uma vez que a sua substância é perpétua e não há lugar na Escritura que a revogue.  Não é de se admirar que o Decálogo tenha sido escrito em tábuas de pedra e sido guardado dentro da arca da aliança (Deuteronômio 10:1-5), demonstrando a estima dos tais mandamentos.

 

PAULO E AS DUAS LEIS

Quem que nunca se viu confundido ao ler os escritos paulinos, quando estes tratam a respeito da lei. Parece que em alguns momentos Paulo é a favor da lei e em outros momentos é contra! É essencial, da parte do estudante da Bíblia saber fazer a distinção, em cada perícope paulina, sobre qual lei o apóstolo está tratando. É certo que em nenhum momento Paulo fere a Lei Moral ou mostra-se desfavorável a ela. Veremos a seguir o parecer do apóstolo concernente às duas leis:

Lei cerimonial e ordenanças: Escrevendo aos colossenses Paulo afirma que Cristo, “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz”.(Colossenses 2:14). Fica claro aqui, que não precisamos mais guardar os mandamentos em forma de ordenanças. Como sabemos que Paulo não está se referindo a Lei Moral? Na sequência ele esclarece, que não podemos ser julgados por causa de comida e bebida, dias festivos judaicos, ou sábados (2:16), todos estes, preceitos da Lei Cerimonial. Escrevendo aos efésios, Paulo afirma que Jesus “aboliu na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças[...]por intermédio da cruz, destruindo por ela, a inimizade” (Efésios 2:15-16). Aqui, em paralelo com a passagem anterior, Paulo está pensando especialmente na Lei Cerimonial. A própria fraseologia “a lei de mandamentos com suas exigências” aponta nesta direção. A referência então é essencialmente as muitas regras e regulamentações do Código Mosaico , em especial o que tange a ordenança da circuncisão. A carta paulina que mais discorre sobre a lei é a destinada aos Gálatas. Escrevendo aos cristãos da Galácia, o apóstolo registra sua embravecida resposta a algumas igrejas inexperientes que se deixaram influenciar por cristãos judeus que pregavam outro evangelho (1:8-9), que ensinava que era necessário se tornar prosélito do judaísmo para ser justificado. Estes falsos mestres exigiam que os gentios deveriam ser circuncidados (2:3; 5:2-6,11,12; 6:12-13), observar os dias santos judaicos (4:10) e cumprir as regras alimentares (2:11-14).  Todas estas leis ligadas ao compêndio de ritos cerimônias, em sua prática, são reprovadas por Paulo: “Para liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. (5:1)

Lei Moral: Os escritos paulinos contêm muitas referências diretas a Lei moral. Em Efésios 6:2 encontramos a ordem de Paulo aos filhos, para que cumprissem o quinto mandamento do Decálogo. Inclusive ele dá um motivo para isso: “é o primeiro mandamento com promessa”. Ora, se para Paulo a promessa era vigente, logo o mandamento também. Em Romanos 13:9 referindo-se ao dever de amarmos uns aos outros, Paulo cita quatro mandamentos da Lei moral, justamente os que aludem ao relacionamento com o próximo: “Por isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume; Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Nesta mesma epístola o apóstolo afirmou que a “lei é santa; e o mandamento, santo justo e bom” (7:12). A lei é “santa”. Para Paulo, como para Jesus, esta é a Lei de Deus (cf. 7:22, 25; 8:7; Mateus 15:3-6; Marcos 7:8), que procede dele e que apresenta a marca inconfundível da sua origem e autoridade. 

Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da graça” (Romanos 6:14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:

a)Não estamos sob a Lei Jurídica (Civil) de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.

b)Não estamos sob a Lei Cerimonial de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.

c)Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.

Entretanto:

a)Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.

b)Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, conforme consta nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14:15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade. 

Há ainda outros textos paulinos que relatam seu parecer quanto às duas leis, mas para o intento deste breve estudo, os citados acima já são esclarecedores. Conclui-se, porém, que o objetivo de tal tópico não é defender a justificação pela lei, de forma alguma. Apenas fez-se necessário distinguir, de forma superficial, Lei Moral de Lei Cerimonial, nos escritos paulinos, os quais têm vantajosa influência sobre as doutrinas bíblicas da igreja cristã.

 

CONCLUSÃO 

Amados irmãos, somos gratos a Deus por pertencermos a uma Igreja que tem a Bíblia como a infalível Palavra da Deus, cuja validade e eficácia resiste ao tempo, às civilizações e às culturas. Tal plataforma de fé, entretanto, não nos cega para a realidade de que as diversas leis (rituais, cerimoniais, sanitárias, dentre outras delimitadas pela temporalidade e territorialidade) estabelecidas por Deus na Velha Aliança tinham caráter provisório e pedagógico, porquanto se constituíam sombras de bens vindouros, bens estes que encontraram seu efetivo cumprimento em Cristo.

Sem embargo desta convicção, somos uma Igreja abençoada, pois cremos na plena vigência do Decálogo, os Dez mandamentos, recepcionada pela Igreja Batista do Sétimo Dia como sendo a Santa Lei de Deus, verdadeira expressão de Seu caráter, razão pela qual traz em sua essência o signo da perenidade! Abominamos o legalismo, é verdade, todavia, respeitamos a Santa Lei de Deus, não como meio de salvação, mas, sim, como resposta de humilde e sincera obediência por tão maravilhosa salvação operada por Cristo Jesus. 

 

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