Colossenses 2:1-10:

1 PORQUE quero que saibais quão grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodicéia, e por quantos não viram o meu rosto em carne; 2 Para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus e Pai, e de Cristo, 3 Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência. 4 E digo isto, para que ninguém vos engane com palavras persuasivas. 5 Porque, ainda que esteja ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito estou convosco, regozijando-me e vendo a vossa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. 6 Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele, 7 Arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças. 8 Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; 9 Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; 10 E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade;

 

Introdução: Este capítulo tem como pano de fundo a manifestação do coração de Paulo. Ele estava enfrentando uma luta por aqueles cristãos que jamais tinha visto, mas que amava. Aqui percebemos a sua profunda preocupação para com a Igreja. Em suas palavras, Paulo reúne os cristãos de Laodicéia com os Colossenses e fala de todos aqueles que jamais haviam visto seu rosto. Pensa no grupo das três populações do vale do Lico: Laodicéia, Hierápolis e Colossos, estreitamente ligadas entre si. Laodicéia e Hierápolis estavam à vista uma de outra a ambos os lados do vale com o rio Lico de por meio e a uma distância de mais de uns dez quilômetros. Paulo está pensando nos grupos cristãos que se encontram nesta área de três povos e aos que imagina em sua mente.

A palavra que Paulo usa para luta é muito gráfica: é a palavra grega agón, de onde provém a nossa palavra em língua portuguesa "agonia". A figura sugerida pela língua grega foi extraída de uma competição atlética (corrida ou luta) ou de um combate militar contra um oponente.

A palavra, em seu sentido original, relaciona-se à batalha que envolve dor agonizante para a conquista da vitória. Relaciona-se ao tipo de esforço depreendido pelo atleta que, para ganhar a competição, dá tudo de si até o esgotamento físico e mental, quando o cessar da ação dar-se-á pela falência múltipla dos músculos e cérebro e não por simples desistência relacionada ao desânimo.

Paulo estava travando uma dura batalha em favor da Igreja. Em Atos dos Apóstolos e em suas epístolas fica muito nítido que, quer estivesse solto ou preso, ele agia como um atleta verdadeiramente focado em em seu alvo e movia todo seu corpo para dar o que nele quer que ainda existisse; ele empreendia um esforço último, acima de tudo o que nele ainda houvesse, mesmo que isso o levasse à morte.

Devemos lembrar onde se encontrava quando escrevia a Carta: estava prisioneiro em Roma à espera do juízo e perante quase segura condena. Qual era então seu luta? Paulo deve ter ansiado ir em pessoa a Colossos para enfrentar-se com os falsos professores, tratar seus argumentos e chamar os que se desviavam da fé. Mas estava na prisão. Para ele, tinha chegado o tempo em que não podia fazer outra coisa senão orar. O que não podia fazer por si mesmo devia deixá-lo a Deus. Por isso Paulo lutava em oração por aqueles que não podia ver. Quando o tempo, a distância e as circunstâncias nos separam dos que desejamos ajudar, sempre fica um caminho para obter o mesmo: lutar por eles em oração.

Mas bem pode ser que na mente de Paulo se travou outra batalha. Paulo era um ser humano com todos os problemas normais do homem. Estava na prisão e à espera de um juízo perante Nero. E o resultado quase seguro era a morte. Teria sido muito fácil acovardar-se e abandonar a verdade por motivos de segurança. Teria sido muito fácil ele falhar com Jesus Cristo e abandonar sua causa. Paulo sabia bem que tal deserção e fracasso teria sido de conseqüências desastrosas. Se as Igrejas jovens tivessem suposto que Paulo tinha fracassado, traído e negado a Cristo se teriam desanimado, sua capacidade de resistência se teria esgotado e para muitos teria significado o fim do cristianismo.

Paulo não lutava só por si mesmo, mas também por causa daqueles que tinham os olhos fixos nele, considerando-o seu guia e pai na fé. Lembremos que em cada situação há muitos que estão nos observando e nossa ação confirmará ou destruirá sua fé. Na vida nunca lutamos só por nós mesmos; sempre temos em nossas mãos a honra de Cristo, e a fé de outros está a nosso cuidado.

OS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA IGREJA FIEL

Nos versos 2 a 7 está a oração de Paulo pela Igreja e nela podemos distinguir algumas características importantes que caracterizam a uma Igreja cheia de vida e fiel.

1º. Deve ser uma Igreja de cristãos de coração valoroso. O verso 2 diz que Paulo se esforçava para que aqueles irmãos fossem "fortalecidos em seus corações" (consolados ou animados). A palavra que usa é parakalein. O termo às vezes significa consolar, outras exortar, mas sempre atrás desta palavra está a idéia de fazer com que uma pessoa seja capaz de enfrentar com confiança e coragem uma situação difícil. Por isso a NTLH assim traduziu esta frase: "para que o coração deles se encha de coragem".

Um dos historiadores gregos usa esta palavra do modo mais interessante e sugestivo. Certo regimento grego que tinha perdido o ânimo, estava desalentado e completamente abatido. O general enviou a um líder para que falasse com o regimento e fizesse renascer a coragem, e o corpo de homens desalentados voltou a ser um corpo de homens dispostos à ação heróica. Isto é o que significa parakalein. Paulo se esforça para que a Igreja seja repleta com essa coragem que pode enfrentar heroicamente qualquer situação, por mais difícil que ela se apresente.

2º. Deve ser uma Igreja em que seus membros estejam intimamente unidos em amor (v. 2). Sem amor não pode existir a Igreja. O sistema de governo eclesiástico não tem importância. O ritual da Igreja carece igualmente de importância. São coisas que podem mudar de tempo em tempo e de um lugar a outro. A ortodoxia sem o amor é estéril, e o amor sem a verdade é igualmente desastroso, pois tende a degenerar em libertinagem. Não podemos nos contentar com a verdade sem amor nem com o amor sem a verdade. O amor sem a verdade é fraco e sem influência. Já a verdade sem o amor é rígida demais e sem misericórdia.

A única característica que deve distinguir à verdadeira Igreja é o amor a Deus e aos irmãos (cf. Jo. 13:35). Quando morre o amor, morre a Igreja. Quando existe o amor a Igreja é forte, porque onde há amor ali Jesus Cristo está, pois é o Senhor do amor.

3º. Deve ser uma Igreja rica em pleno entendimento. Paulo se esforçava grandemente para que aqueles irmãos alcançacem "toda a riqueza do pleno entendimento, a fim de conhecerem plenamente o mistério de Deus, a saber, Cristo" (v. 2).

Paulo usa aqui três palavras para entendimento. Senão, vejamos:

No versículo 2 usa a palavra grega synesis que se traduziu por entendimento. Synesis é o que poderíamos chamar de conhecimento crítico; é a capacidade para aplicar os primeiros princípios a uma situação dada; a capacidade assegurada para avaliar toda situação e decidir qual é o curso prático da intervenção que se requer. Uma verdadeira Igreja terá o conhecimento prático do que tem que fazer quando deve agir.

Paulo diz que em Jesus "estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento" (v. 3). Sabedoria, no grego, é sofia e conhecimento vem de gnosis. Estas duas palavras não são uma simples repetição. Há uma diferença básica: Gnosis é o poder de apreender a verdade; de captar a verdade quando a vemos e de entendê-la quando irrompe na mente. É quase intuitiva e instintiva. Mas sofia é o poder de manter, confirmar e exaltar a verdade uma vez captada intuitivamente, com uma argumentação e apresentação sábias e inteligentes. Pela gnosis o homem capta a verdade; a sofia o capacita para dar a razão da esperança que há nele.

Assim, pois, a Igreja verdadeira possui uma sabedoria que pode agir da melhor maneira possível numa situação dada; uma sabedoria segura e perspicaz, não cegada pelo preconceito ou pela ignorância. Tem a sabedoria que pode instintivamente reconhecer e apegar-se à verdade quando a vê e a ouve. Tem também uma sabedoria que pode fazer com que a verdade seja inteligível para a mente que pensa e que pode transmitir sábia e persuasivamente a verdade aos outros.

Toda esta sabedoria - diz Paulo - está escondida em Cristo. A palavra que Paulo usa para escondido é apokryfos. O uso deste termo é um golpe certeiro dirigido aos gnósticos. A palavra apokryfos significa oculto ao olhar comum e, portanto, secreto.

Os gnósticos criam que, para a salvação, era necessário um enorme arcabouço de elaborados e complicados conhecimentos. Conhecimentos que consignavam em livros que pela mesma razão chamavam apokryfos, porque estavam escondidos e fora do alcance do homem comum e ordinário. Por conseqüente, eles consideravam o ensino apostólico como elementar demais, o mero ABC da sabedoria religiosa; as conclusões mais profundas dos seus próprios livros apócrifos ("ocultos") eram necessárias aos intelectualmente maduros.

Usando esta palavra Paulo diz: "Vocês, os gnósticos, têm sua sabedoria apartada, escondida e proibida para o homem comum; chamam-na apokryfos. Nós também temos nosso conhecimento; mas não está oculto em livros ininteligíveis; está guardado em Cristo e por isso fica aberto a todos os homens, estejam onde estiverem".

A verdade do Cristianismo não é um segredo que fica escondido, mas sim um segredo que se revela. Portanto, é desnecessário procurar mais verdade em outras partes: tendo Cristo, os Colossenses tinham tudo que podiam desejar.

4º. A Igreja verdadeira deve poder resistir contra as palavras persuasivas. No verso 4, Paulo continua sua exortação dizendo àqueles irmãos: "E digo isto: que ninguém vos engane com palavras persuasivas".

"Palavras persuasivas" é a tradução do termo grego pithanologia. O termo pertencia à linguagem dos tribunais de justiça; indicava o poder persuasivo dos argumentos do advogado. Denota o tipo de argumento que podem faze com que o mal apareça como a melhor coisa, de modo que o criminoso escape ao justo castigo. A versão Almeida e Atualizada traduz a palavra grega como "raciocínios falazes", que aponta para aquele poder que podia arrastar uma assembléia e conduzi-la por caminhos torcidos.

A NVI também traduz muito bem o sentido desta palavra: "que ninguém os engane com argumentos aparentemente convincentes". A capacidade de conhecimento crítico da Igreja e discernimento deve ser tal que não possa ser defraudada com palavras persuasivas. A Igreja verdadeira deve estar de posse da verdade de forma tal que nunca dê ouvidos a argumentos enganosos ou sedutores.

5º. A Igreja verdadeira tem uma disciplina militar. No verso 5, Paulo elogia a Igreja em Colossos, dizendo assim: "Porque, embora esteja fisicamente ausente, estou presente com vocês em espírito, e alegro-me em ver como estão vivendo em ordem e como está firme a fé que vocês têm em Cristo".

Paulo alegra-se em saber da ordem e da firmeza dos Colossenses vivendo em sua fé. Estes dois termos apresentam um quadro gráfico, porque pertencem à linguagem originalmente militar.

A palavra traduzida ordem é táxis, que significa fila ou disposição ordenada. Portanto, táxis refere-se a uma formação de soldados chamados à batalha. A Igreja deve assemelhar-se a um exército ordenado fila após fila, cada homem em seu devido lugar e disposto a pôr por obra a voz de mando.

A palavra grega traduzida como firmeza é stereoma, que significa "aquilo que foi feito firme, firmeza, estabilidade. Refere-se, nesse caso, a solidez de uma formação de soldados. Descreve um exército apostado numa formação que é inquebrantável e incomovível perante a carga inimiga. Paulo estava dizendo que eles estavam sólidos e firmes contra os ataques que vinham contra eles. Dentro da Igreja deve dar-se uma ordem disciplinada e uma firmeza incomovível semelhante à ordem e a firmeza de um exército bem disciplinado.

6º. Na Igreja verdadeira a vida deve estar em Cristo. Nos versos 6 e 7, Paulo faz outro apelo, no sentido de firmeza, à Igreja: "Portanto, assim como vocês receberam a Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele, enraizados e edificados nele, firmados na fé, como foram ensinados, transbordando de gratidão".

Os membros da Igreja fiel devem caminhar em Cristo. A vida cristã deve viver-se conscientemente na presença de Cristo: "nele andai". Paulo usa o antigo termo ético hebraico que designa comportamento: andai. Cada passo do caminho do crente deve ser dentro do círculo abrangente de Cristo.

E não apenas isso, mas os cristãos devem estar arraigados e edificados Nele. Aqui estamos perante duas imagens: uma da natureza e outra da arquitetura.

A palavra grega usada para arraigados (rhizoo) é a que se tira da idéia de uma árvore com raízes profundamente metidas na terra. Por sua vez, a palavra grega para edificados (epoikodomeo) é a que corresponde a uma casa levantada sobre alicerces profundos e firmes.[1]

Assim como uma árvore se arraiga profundamente para extrair seu sustento, assim o cristão deve arraigar-se em Cristo que é fonte de vida e de fortaleza. Assim como uma casa é firme porque está construída sobre fundamentos sólidos, também a vida cristã deve manter-se inabalável contra toda tempestade porque está cimentada não na força humana, mas na força de Cristo. Cristo é a força da vida cristã e o fundamento da estabilidade cristã.

Devemos estar tão firmes como uma árvore e tão sólidos como um edifício. Uma árvore precisa ter suas raízes profundas no solo se ela quer encontrar provisão e estabilidade. Assim também é o crente. Precisamos estar enraizado no amor de Cristo. A parte mais importante num edifício é o seu fundamento. Se ele não cresce para baixo solidamente, ele não pode crescer para cima seguramente. As tempestades da vida provam se nossas raízes e se o fundamento da nossa vida estão profundos (Mateus 7:24-29).

7º. A Igreja verdadeira mantém com firmeza a fé que recebeu. Paulo lembra aos seus leitores de que eles deveriam continuar "firmados na fé, como foram ensinados" (v. 7). O cristão fiel nunca esquece o ensino que recebeu sobre Cristo e a fé em que foi doutrinado. Aquele que está andando, arraigado e edificado em Cristo, demonstra isso por meio de uma confissão de fé firmada em Jesus.

Deve-se notar que isto não significa uma fria ortodoxia em que toda mudança e toda aventura do pensamento é uma heresia. Basta lembrarmos como em Colossenses Paulo revela esboços inteiramente novos de seu pensamento sobre Jesus Cristo, para ver quão longe está dessa intenção. O que significa é o seguinte: há certas verdades que permanecem como fundamento da fé e que não mudam. Paulo podia lançar-se por novos atalhos e avenidas de pensamento, mas sempre começava e terminava com a verdade invariável de que Jesus Cristo é o Senhor.

8º. A marca distintiva da Igreja fiel é uma profunda e elusiva gratidão. Paulo ensina ainda que os cristãos devem viver de forma que estejam "transbordando de gratidão" (v. 7). A ação de graças é a nota constante e característica da vida cristã. Como disse J. B. Lightfoot: "A ação de graças é o fim de toda conduta humana, quer a observe em palavras, quer em obras". A única preocupação do cristão é expressar com palavras e demonstrar com a vida sua gratidão a Deus por tudo o que Deus tem feito por ele na natureza e na graça.

Epicteto, esse escravo mirrado, velho e coxo, que não era cristão, chegou a ser um dos grandes mestres da moral no paganismo. Escreveu: "Que outra coisa posso fazer eu, um velho coxo, que cantar hinos a Deus? Se fosse um rouxinol cantaria como um rouxinol; se um cisne como um cisne. Mas sou um ser racional, portanto devo cantar hinos para louvar a Deus. Essa é minha tarefa. Faço-o assim e não abandonarei este posto enquanto me seja dado ocupá-lo; convido-os a que se unam comigo neste mesmo cântico" (Epicteto. Discursos 1:16, 21).

O cristão louva sempre a Deus de quem procede toda a bênção.

PERIGOS QUE ASSOLAM A IGREJA DE CRISTO

Sem sombra de dúvida, os versos 8 a 23, deste capítulo, constituem numa das passagens mais difíceis que Paulo jamais escreveu. Para os que o escutam ou o lêem pela primeira vez tudo parece perfeitamente claro. O problema consiste em que a princípio até o fim nos encontramos com alusões a uma falsa doutrina que ameaçava levar a Igreja Colossense ao naufrágio. Não conhecemos precisamente e em detalhes no que consistia essa doutrina. Portanto, as alusões são obscuras e o que se pode fazer é conjeturar e andar tateando, mas cada frase e cada sentença repercutiram diretamente na mente e os corações dos Colossenses.

É muito difícil tratar este texto de forma um tanto distinta de nossa prática habitual. Extrairemos suas idéias principais, porque nelas é possível perceber as grandes linhas da falsa doutrina que ameaçava a Colossos. Logo, e depois de obter esta visão de conjunto, examinaremos alguns detalhes brevemente.

A única coisa que está clara aqui é que os falsos mestres desejavam que os Colossenses aceitassem o que poderia denominar-se adições a Cristo. Ensinavam que Jesus Cristo não é suficiente; que não era único; que era uma das muitas manifestações de Deus; que além de Cristo se requeria a adoração, o serviço e o reconhecimento dos assim chamados poderes divinos e angélicos. Podemos distinguir cinco adições a Cristo que propunham esses falsos professores.

1º. Queriam ensinar aos homens uma filosofia adicional. No verso 8, lemos o apelo paulino: "Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo".

Em seu critério a verdade pregada por Jesus e escrita no Evangelho não era suficiente. Devia ser preenchida, assistida e completada por um sistema elaborado de pensamento pseudo-filosófico em si muito difícil para o homem singelo e só ao alcance do intelectual.

2º. Queriam que os homens aceitassem um sistema de astrologia. Há dúvida sobre o significado dessa frase, no final do verso 8: "... de acordo com os elementos do cosmos, e não de acordo com Cristo".

Visto que a carta aos Colossenses é uma produção religiosa e não científica, alguns comentaristas tomam o termo elementos como significando espíritos cósmicos, ou até mesmo poderes demoníacos, que controlam fenômenos. Assim, alguns pensam que o mais provável é que os rudimentos do mundo sejam os espíritos elementares do universo e/ou os astros e planetas. Segundo esta corrente, os falsos mestres, com base na filosofia grega (Empédocles), ensinavam que os homens estavam ainda sob as influências e poderes cósmicos e necessitavam de um conhecimento especial, mais além do que Jesus podia dar, para ser libertados desses poderes.

Outra corrente aduz que, de fato, não há nenhuma razão convincente para pensar que Paulo tinha a filosofia grega em mente. Para eles, Paulo poderia possivelmente ter a filosofia judaica em mente. Como fundamento, citam o historiador judeus Flávio Josefo (Antiguidades, 18, 1, 2), o qual escreve que: "Os judeus tiveram durante um grande tempo três seitas de filosofia peculiares a eles mesmos: a seita dos essênios, a seita dos saduceus, e o terceiro tipo de opiniões era aquele dos chamados fariseus..."

Assim, Paulo está falando sobre instrução, filosofia, tradições, e paralogismos persuasivos. Mais adiante no capítulo 2:20-23, ele é mais específico. Esses versículos dizem respeito aos "rudimentos" - a mesma palavra "elementos" - do mundo. O versículo 21 identifica um. Ele é uma máxima ou preceito. Portanto, é melhor entender esses elementos mundanos como sendo os axiomas, pressuposições, ou até mesmos os teoremas principais das falsas religiões. Paulo sem dúvida tinha o Judaísmo em mente, mas a exortação é completamente geral.

3º. Queriam impor a circuncisão aos cristãos. No verso 11, Paulo diz aos cristãos Colossenses: "Nele também vocês foram circuncidados, não com uma circuncisão feita por mãos humanas, mas com a circuncisão feita por Cristo, que é o despojar do corpo da carne". Todavia, a fé para os falsos mestres judaizantes não era suficiente; devia agregar-se a circuncisão. Um distintivo na carne devia substituir, ou ao menos ser um agregado à atitude do coração.

4º. Queriam estabelecer regras e prescrições ascéticas. Nos versos 16 e 20 a 23, Paulo faz algumas denúncias sobre tais impostores do Evangelho.

Portanto, não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado.

Já que vocês morreram com Cristo para os princípios elementares deste mundo, por que é que vocês, então, como se ainda pertencessem a ele, se submetem a regras: "Não manuseie!" "Não prove!" "Não toque!"? Todas essas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se baseiam em mandamentos e ensinos humanos. Essas regras têm, de fato, aparência de sabedoria, com sua pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os impulsos da carne.

Os falsos mestres queriam introduzir toda classe de regras e prescrições sobre o que um homem podia comer e beber e sobre os dias, festividades e jejuns que devia observar. Todas as antigas prescrições baseadas nas leis judaicas sobre a alimentação e outras mais tinham que ser reassumidas, na opinião deles.

5º. Queriam introduzir o culto aos anjos. Nos versos 18 e 19, Paulo faz uma descrição quádrupla dos juízes autonomeados em Colossos:

Ninguém atue como árbitro contra vós, sob o pretexto de falsa humildade e adoração de anjos, querendo impedi-los de alcançar o prêmio. Tal pessoa conta detalhadamente suas visões, e sua mente carnal a torna orgulhosa. Trata-se de alguém que não está unido à Cabeça...

Os gnósticos ensinavam que Jesus só era um dos muitos intermediários entre Deus e os homens e que todos estes deviam receber culto e serviço. Pode-se advertir aqui uma mescla de gnosticismo e judaísmo. O conhecimento intelectual e a astrologia provêm diretamente do gnosticismo; o ascetismo e as regras e prescrições, do judaísmo. Os gnósticos criam que para a salvação era preciso toda classe de conhecimentos e ensinos especiais, além do evangelho. Havia judeus que uniam sua força aos gnósticos e declaravam que o conhecimento especial requerido não era outro senão aquele que o judaísmo podia oferecer. Isto explica por que a doutrina dos falsos mestres Colossenses combinavam as crenças do gnosticismo com as práticas do judaísmo.

A única coisa certa é que os falsos mestres ensinavam que Jesus Cristo, sua obra e sua doutrina, não eram suficientes em si nem suficientes para a salvação. Consideremos agora a passagem seção por seção.

Paulo traça um vívido quadro dos falsos mestres. Fala dos que queriam enganá-los (TB, prendê-los; B.J., escravizá-los). O termo que usa é sylagogein e poderia aplicar-se a um mercador de escravos que conduz a um povo de uma nação conquistada para levá-lo à escravidão. Para Paulo constituía algo estranho e trágico que os que tinham sido resgatados, redimidos e libertados (Cl. 1:12-14) pudessem pensar submeter-se novamente a uma miserável escravidão.

Estes homens oferecem uma filosofia que declaram necessária como adição à doutrina de Cristo e às palavras do Evangelho.

1) É uma filosofia transmitida por tradição humana. Os gnósticos pretendiam habitualmente que seu ensino particular tinha sido em realidade expresso verbalmente pelos lábios de Jesus, seja a Maria, seja a Mateus ou a Pedro. Diziam, efetivamente, que havia coisas que Jesus jamais havia dito às multidões e que só as tinham comunicado os poucos escolhidos.

A acusação que Paulo faz a estes mestres é que o ensino que propugnam é humana; não tem garantia nem fundamento na Escritura. Trata-se de um produto da mente humana e não de uma mensagem da palavra de Deus. Falar desta maneira não significa incidir no fundamentalismo ou submeter-se à tirania da palavra escrita, mas sim sustentar que nenhuma doutrina pode ser cristã estando em contraposição com as verdades básicas da Escritura e da Palavra de Deus.

2) É uma filosofia que tem que ver com os rudimentos deste mundo. Como já vimos, esta é uma frase muito discutida cujo significado ainda é duvidoso. A palavra para rudimentos (stoiqueia) tem dois significados.

Stoiqueia significa literalmente coisas que estão colocadas em fila. Por exemplo: usa-se para uma fila de soldados. Mas um de seus significados mais comuns é de A B C, as letras do alfabeto, porque formam uma série que pode ordenar-se em fila. Agora, já que stoiqueia pode significar as letras do alfabeto, também pode aplicar-se ordinariamente aos rudimentos de alguma matéria. Nós falamos ainda do A B C de uma matéria, referindo-nos a dar os primeiros passos nela. É possível que este seja aqui o significado. Paulo diria:

"Estes falsos doutores pretendem nos brindar um conhecimento muito avançado e profundo. De fato trata-se de um conhecimento rude e rudimentar, porque no melhor dos casos só consiste num mero conhecimento humano. O verdadeiro conhecimento, a verdadeira plenitude de Deus está em Jesus Cristo. Se escutarem a esses falsos mestres, longe de receber um conhecimento espiritual profundo e erudito, vocês não farão mais que retroceder à introdução rudimentar e enganosa que faz tempo deveríeis ter deixado atrás".

Bem pode ser que Paulo tenha querido dizer que escutar a assim chamada filosofia desses falsos mestres era um passo atrás e não adiante.

Mas stoiqueia tem outro significado: indica os espíritos elementares do mundo, especialmente os dos astros e planetas. A versão em inglês RSV, diz: "de acordo com os espíritos elementares do universo", especialmente os astros e potestades celestiais. Alguns traduzem como sendo os "elementos do cosmo".

Até hoje há pessoas que tomam a sério a astrologia. Levam pingentes com os signos do zodíaco e lêem os horóscopos das revistas que lhes dizem o que está predeterminado nos astros. Mas para nós é quase impossível imaginar quão dominado estava o mundo antigo pela idéia da influência dos espíritos elementares e dos astros. A astrologia era, portanto - por assim dizer - a rainha das ciências.

Homens tão grandes como Júlio César e Augusto, tão cínicos como Tibério e tão capacitados como Vespasiano, não empreendiam nada sem antes consultar os astros. Alexandre Magno cria implicitamente na influência dos astros. Homens e mulheres criam que toda a sua vida estava fixada e preestabelecida pelos astros. Se um homem tinha nascido sob um astro afortunado tudo ia bem; caso contrário não podia esperar a felicidade. Para que qualquer empresa tivesse possibilidade de êxito deviam ser observados os astros. Os homens se sentiam presos por um determinismo rígido estabelecido pela influência dos astros e dos espíritos elementares do mundo: eram escravos dos astros.

Agora, só havia uma saída possível. Só se os homens conhecessem as devidas contra-senhas e fórmulas podiam escapar a essa influência fatídica dos astros; e grande parte do conhecimento secreto e da doutrina secreta do gnosticismo, e das crenças e filosofias afins, pretendia oferecer a seus seguidores o poder de escapar ao domínio dos astros. Com toda probabilidade isto era o que brindavam os falsos mestres de Colossos. Estes certamente diziam: "Está muito bem, Jesus Cristo pode fazer muito por vocês, mas não os pode capacitá-los a escapar ao domínio dos astros. Só nós possuímos o conhecimento secreto que os possa capacitar para isso".

A resposta de Paulo, com certeza, era bastante enfática: "Vocês não necessitam de nada fora de Cristo para superar qualquer poder do universo, porque Nele encontra-se nada menos que a plenitude de Deus, e ele é a cabeça de todo poder e autoridade, pois Ele os criou".

Os mestres gnósticos ofereciam uma filosofia e astrologia adicionais. Paulo insistia na suficiência triunfal de Cristo para superar todo poder em qualquer parte do universo. Não podemos crer ao mesmo tempo no poder de Cristo e na influência dos astros.

Conclusão: A partir de Cristo vemos como são "fracas" e "pobres" as linhas e traços rudimentares do mundo, mesmo quando antes o mundo nos pareceu tão rico, uma matéria inesgotável para nossa reflexão e nosso agir. Por isso, dar ouvidos àqueles que não vêem as coisas na radiante luz do Cristo, mas buscam nos fracos e pobres elementos do mundo os princípios de sua visão de mundo não é enriquecimento e aperfeiçoamento, mas "condução para a escravidão".

Notas Bibliográficas

1. Epoikodomeo provém de dois vocábulos: epi, que é uma preposição, que significa: "em cima de", "sobre"; e oikodomos, que traduzindo para o português são os verbos transitivos direto "construir" e "edificar". Então, epoikodomeo significa "edificar sobre" ou "construir sobre".

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