Texto de Estudo

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor.

Romanos 6:23

 

INTRODUÇÃO

Graça é a maneira pela qual Deus dispõe-se a receber, de braços abertos, o pecador, não obstante Sua santidade absoluta e o estado miserável em que se encontra aquele que d’Ele desviou-se. É uma bênção ou um favor verdadeiramente imerecido e indevido que Deus concede em Sua soberania, nunca em resposta a alguma iniciativa da parte do pecador. Deus não tem obrigação alguma de perdoar; ninguém tem o direito de cobrar tal coisa d’Ele. No entanto, perdoa por causa da graça; a iniciativa é sempre de Deus.

Na lição anterior, vimos os benefícios da justificação. O apóstolo pinta um quadro maravilhoso do povo de Deus. Tendo sido justificados pela fé, eles estão firmes na graça e regozijam-se na glória. Tendo pertencido, antes, a Adão, o autor do pecado e da morte, eles passam a pertencer a Cristo, o autor da salvação e da vida. Embora a certa altura da história de Israel a Lei tenha sido introduzida para ressaltar a transgressão (5:20a), mesmo assim, "onde aumentou o pecado, transbordou a graça" (5:20b), a fim de que "a graça reine" (5:21). É uma esplêndida visão do triunfo da graça! Em contraste com o repugnante pano de fundo da culpabilidade humana, Paulo retrata essa graça aumentando e reinando.

Há quem ensine ou passe a viver um estilo de vida que, fundamentado no fato de que a salvação decorre tão somente pela fé, e não por obras que darão um salvo-conduto para viver uma vida de pecado, sem santidade, sem frutos, sem obras, afirmam ‘”eu sou salvo pela graça e, não, por Lei. Enfraquecem o senso de responsabilidade moral do homem, encorajam a transgressão da Lei. Se Deus justifica pessoas más, de que vale ser bom?

Paulo, como um excelente mestre-pregador, sabedor disso, antecipa-se a esse pensamento leviano de que alguns viverão uma vida pecaminosa, sem santidade, sem frei e sem lei, sem temor e sem princípios morais, pois afirmariam: Sou salvo pela graça, não por obras da Lei! Em Romanos 6:1-23, o apóstolo mostra que a doutrina da justificação desemboca na santificação. Pela justificação fomos libertados da culpa do pecado; entretanto, na santificação, devemos ser salvos do poder do pecado. Vencemos o pecado não sob o regime da Lei, mas sob o reinado da graça. A santificação, não menos que a justificação, resulta da eficácia da morte de Cristo e da virtude de sua ressurreição.

 

 

 OS INIMIGOS DA GRAÇA

A graça de Deus é maravilhosa; no entanto, por falta de seu entendimento correto, levantaram-se movimentos contrários à vontade divina. São eles:

1.            Antinomismo. Paulo percebeu que a sua argumentação a respeito da graça poderia gerar um mal-entendido. Por isso, tratou logo de esclarecer o seu pensamento a respeito do assunto. Usando o método de diatribe, dialoga com um interlocutor imaginário, procurando explicar, de forma clara, o seu argumento. Ele já havia comentado que onde o pecado abundou, superabundou a graça. (Romanos 5:20) Tal argumento seria uma afirmação ao estilo dos antinomistas, pois estes acreditavam que podemos viver sem regras ou princípios morais. No antinomismo, não há normas. Os que erroneamente aceitavam tal pensamento acreditavam que quanto mais pecassem mais graça receberiam. Sob esse entendimento, a graça não impõe limite algum. Antevendo esse raciocínio equivocado, o apóstolo pergunta: "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado para que a graça seja mais abundante?". (Romanos 6:1) A resposta é não!

Na língua grega, essa resposta denota um choque, podendo ser traduzida como “Deus me livre”. A ideia de que um cristão estivesse vivendo em pecado a fim de tirar proveito da graça divina era detestável a Paulo. Os cristãos verdadeiros não deveriam viver assim, pois já haviam morrido para o pecado, como afirmam os versículos três e quatro. A graça não deve servir de desculpa para o pecado. A resposta do apóstolo aos seus críticos é que o Deus da graça não somente perdoa pecados, mas também nos liberta de pecar. A graça, além de justificar, santifica. Ela nos une a Cristo (1-14) e nos inicia em novo processo de servidão: passamos a ser servos da justiça (15-23).

Infelizmente, o antinomismo tem ganhado força em nossa sociedade, passando a ser socialmente aceito, até mesmo dentro das igrejas evangélicas. Eis uma doutrina venenosa que, erroneamente, faz com que a graça divina pareça validar todo tipo de comportamento contrário à Palavra de Deus. Em geral, tal pensamento vem "vestido" de uma roupagem espiritual, porém o antinomista costuma ser relativista quando se utiliza da expressão “não tem nada a ver”.

2.    Legalismo. Em Romanos 6:15 o apóstolo tem em mente o judeu legalista quando pergunta: "Pois quê? Pecaremos porque não estamos sob a Lei, mas sob a graça? De modo algum!". A doutrina da justificação pela fé, independentemente das obras da Lei, levaria o legalista a argumentar que Paulo estaria ensinando que, em virtude de não estarmos mais sob a Lei, então não há mais obrigação alguma com o viver santo. Nesse caso, não existiria barreira de contenção contra o pecado. Na mente do legalista, somente a Lei de Moisés era o instrumento adequado para agradar a Deus. E procurava observar os preceitos legais com o propósito de ser salvo. (Levíticos 18:5) Uma vez que não conseguiam cumprir as exigências da Lei, os legalistas acabavam ostentando uma religiosidade de aparência. Viviam sob um jugo pesado e queriam colocar essa mesma canga sobre os demais. A deficiência do legalismo é que ele vê os pecados, mas não o pecado (a raiz do problema); julga-nos de acordo com elementos exteriores e, não, com os interiores. Mede a espiritualidade de acordo com o que se deve ou não fazer. O legalista torna-se um fariseu, cujas ações exteriores são aceitáveis, mas cujas atitudes interiores são desprezíveis.

 

Agora podemos resumir em três as atitudes que podemos adotar com relação à Lei, sendo que Paulo rejeita as duas primeiras e recomenda a terceira. Poderíamos chamá-las de "legalismo", "antinomismo" e "liberdade para cumprir a Lei".

Os legalistas encontram-se "sob a Lei" e estão sujeitos a ela. Eles acham que o seu relacionamento com Deus depende de obedecerem à Lei e, assim, buscam ser justificados e santificados por ela. Mas se sentem arrasados pelo fato de que a Lei não pode salvá-los.

Os antinomianos (ou libertinos) vão para o outro extremo. Culpando a Lei por seus problemas, rejeitam-na completamente, declarando-se livres de qualquer obrigação para com suas exigências. Eles transformaram a liberdade em libertinagem.

O terceiro grupo — os que estão livres para cumprir a Lei — consegue manter o equilíbrio. Eles regozijam-se tanto em sua libertação da Lei, que lhes traz justificação e santificação, como na sua liberdade para cumpri-la. Deleitam-se na Lei por ser a revelação da vontade de Deus, mas reconhecem que a força para cumpri-la não provém da Lei, mas do Espírito. Assim, os legalistas temem a Lei e estão sujeitos a ela.

Os antinomianos detestam a lei e repudiam-na. E os "livres para cumprir a Lei" amam-na e a cumprem.

 

 

A VITÓRIA DA GRAÇA

            A graça destrói o domínio do pecado na vida daqueles que pela fé aceitam a Jesus Cristo. O apóstolo responde, neste capítulo, tanto à distorção dos antinomianos quanto à objeção dos legalistas. Três verbos regem a primeira parte da argumentação de Paulo: saber (6:6), considerar (6:11) e oferecer (6:13).

Em primeiro lugar, devemos saber (6:1-10). A fé cristã está fundamentada sobre o entendimento. Crer é também pensar. A ignorância da verdade não glorifica a Deus, nem nos possibilita crescimento na graça. O segredo de uma vida santificada está na mente. Mas, o que devemos saber?

a. Nós morremos para o pecado. (6:2) Se morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele? A morte e a vida não podem coexistir; não podemos estar mortos e vivos ao mesmo tempo, com relação à coisa alguma. A graça salvou-nos do pecado e, não, no pecado. O pecado é inadmissível ao cristão. Os antinomianos argumentavam que o cristão podia persistir no pecado, mas Paulo afirma que este morreu para o pecado. Não podemos viver errando se estamos mortos para o erro. Assim como nós morremos pelo pecado em Adão, morremos para o pecado em Cristo.

b. Fomos batizados na morte de Cristo. (6:3) Se o batismo significa a união com Cristo em sua morte, então os cristãos morreram com Cristo quando ele morreu. Quando morreu, morremos com Ele. Quando Ele foi sepultado, fomos sepultados com Ele. Assim como estávamos nos lombos de Adão quando ele pecou, estávamos em Cristo quando Ele morreu. Sua morte foi a nossa morte.

c. Ressuscitamos com Cristo. (6:4,5) Nossa união com Cristo não é apenas em Sua morte, mas também em sua ressurreição. Assim como ressuscitou, também ressuscitamos por Seu intermédio para vivermos em novidade de vida. O poder da ressurreição está em nós para vivermos uma vida de poder. O reinado da morte pelo pecado não tem poder mais sobre nós uma vez que morremos e ressuscitamos com Cristo. A morte e a ressurreição de Cristo não são apenas fatos históricos e doutrinas significativas, mas experiências pessoais já que, pela fé-batismo, nós mesmos viemos a participar deles.

Em segundo lugar, devemos considerar. (6:11) Neste ponto, a doutrina assume o aspecto de exortação. O termo considerar é a tradução de uma palavra grega, usada 41 vezes no Novo Testamento — 19 vezes só em Romanos. Significa “levar em conta, calcular, estimar”. Devemos levar em conta aquilo que Deus diz em Sua Palavra, pois isso vale para a nossa vida.

Devemos considerar-nos mortos para o pecado. O que isso significa? Não indica que estamos mortos no sentido de insensíveis ao pecado. Paulo não está defendendo a impecabilidade do cristão, muito menos pleiteando a tese da santidade total nesta vida. Devemos considerar-nos mortos, no sentido de que judicialmente estamos mortos em Cristo. Assim como pelo pecado de Adão morremos no pecado, pela morte de Cristo morremos para o pecado. Podemos andar com a certidão de óbito no bolso, dizendo que o pecado não tem mais domínio sobre nós, no sentido de nos condenar, uma vez que já fomos justificados pela morte de Cristo.

Em terceiro lugar, devemos oferecer. (6:12-14) O resultado de saber que estamos crucificados com Cristo (6:6) e considerar-nos mortos em Cristo (6:11) deve levar-nos a oferecer nosso corpo a Deus. (6:12-14) O corpo do cristão não é apenas morada de Deus, mas também um instrumento em Suas mãos. Paulo dá três ordens claras, duas negativas e uma positiva:

a. Não permita que o pecado domine seu corpo. (6:12) Onde Cristo é Senhor, o poder do pecado tornou-se ilegal. (6:7) Deus deu-lhe o “cartão vermelho”. Paulo não está admitindo que o pecado reina na vida do crente. Aliás, ele nega isso. A sequência é esta: o pecado não exerce o domínio; portanto, não permita que ele reine. A influência do pecado ainda está presente e pode ser expresso no corpo mortal, o corpo que está sujeito à morte. A diferença é que o pecado sobre ele não tem domínio algum. Assim, Paulo chama a atenção dos cristãos, dizendo: “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal para lhe obedecerdes em suas concupiscências.”.

b. Não ofereçam os membros do seu corpo ao pecado. (6:13a) O versículo 12 enfatiza todo o corpo; o 13, porém, destaca algumas partes, como as mãos ou a boca. Os cristãos não devem apresentar as partes de seus corpos como instrumentos para o pecado. Ou seja, não deve usar as mãos para roubar, ou a íngua para mentir. Antes, devem apresentar a Deus cada parte como instrumento de justiça. Os órgãos e membros do nosso corpo (olhos, ouvidos, mãos, pés) devem estar a serviço de Deus, e não do pecado. A vida cristã é mais que um credo; é mais que um sentimento - é ação! O Cristianismo não pode ser somente uma experiência de um lugar secreto; deve ser vida numa praça pública.

c. Ofereçam-se a Deus. (6:13b) Essa consagração a Deus deve ser um compromisso decisivo e deliberado. Paulo trata de dois reinados: o do pecado e o da graça. No primeiro, as pessoas são escravas; afundam-se no atoleiro dos vícios e das perversões e usam o corpo para atenderem os ditames do pecado. No reinado da graça, elas são não apenas livres, mas também chegam a reinar. Uma vez que não estão sob o domínio do pecado, não devem oferecer o corpo para servir, nem os membros para fazer sua vontade. Nosso corpo foi comprado por Deus e deve estar a serviço da Sua glória. Os membros do nosso corpo não devem ser janelas abertas ao pecado, mas instrumentos da realização da vontade divina. Não podemos dar uma parte da vida a Deus e outra, ao mundo. A resposta do apóstolo aos seus críticos é que a graça, além de justificar, santifica. Ela nos une a Cristo e nos inicia em novo processo de escravidão: escravos da justiça.

 

GRAÇA – MARAVILHOSA GRAÇA

A maravilhosa graça de Deus traz alguns frutos. Dois são os frutos do graça, a liberdade em Jesus Cristo e a santificação.

  1. A graça liberta. A graça é libertadora. (Romanos 6:14) Quando ela reina, os homens tornam-se livres. A graça destrona o pecado, o senhorio do pecado e capacita o crente a oferecer a si mesmo, e a tudo que lhe pertence, em amorável serviço a Deus. Em lugar de viver sob a tirania do pecado, pode-se, voluntariamente, consagrar-se a Deus e oferecer os membros do corpo à prática da justiça. Estar sob a Lei é aceitar a obrigação de guardá-la e, assim, incorrer em sua maldição e condenação. (Gálatas 3:10) Estar sob a graça é reconhecer a nossa dependência da obra de Cristo para a salvação e, assim, sermos justificados, ao invés de condenados. Somente a graça seria capaz de desfazer o domínio do pecado.

A Bíblia afirma que quem peca é escravo do pecado. (João 8:34) E mais, o escravo não possuía domínio sobre o seu arbítrio. Essa situação mudou quando a graça, revelada na pessoa de Jesus Cristo, veio e desfez o domínio do pecado. Paulo afirmou que o "pecado não terá domínio sobre nós". Somos livres em Cristo. E tal liberdade é uma realidade na vida do cristão: "Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo libertou-vos e não torneis a meter-vos sob o jugo da servidão". (Gálatas 5:1) O fato de termos sido libertados da condenação de Deus e sermos objetos do Seu favor benévolo confirma a verdade da promessa, segundo a qual o pecado não mais será senhor sobre nós. O homem que sabe estar livre da condenação divina descobre em si mesmo que está começando a ser livre para resistir à tirania do pecado com intrepidez e resolução.

  1. A graça santifica. Paulo revela que um dos efeitos imediatos da graça é a justificação; o outro, a santificação: "Mas, agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e, por fim, a vida eterna". (Romanos 6:22) A palavra "santificação", que traduz o grego hagiasmos, mantém o sentido de "separação". A graça libertou-nos e separou-nos para Deus. A santificação aparece, neste texto, como fruto da graça. Cristo arrancou-nos do cativeiro do pecado, no qual éramos dominados. Estávamos sob um jugo opressor, vivíamos na masmorra da culpa, atormentados pelo látego do medo. Livres dessa maldita prisão, fomos feitos servos da justiça. E este é verdadeiramente livre. Pela conversão, saímos de um reino a outro, de um senhor para outro, de um estilo de vida a outro. Vivíamos no reino das trevas e passamos à luz. Éramos escravos do diabo e nos tornamos servos de Cristo. Vivíamos entregues às paixões e às iniquidades, dedicamo-nos, então, à prática da justiça.

No ensino de Paulo, a santificação ocorre em dois estágios. Primeiramente, somos santificados em Cristo quando confessamo-Lo como Salvador de nossa vida. Na teologia bíblica, isso é conhecido como santificação posicional. Por outro lado, não podemos nos acomodar e precisamos procurar, a cada dia, santificar-nos, isto é, separar-nos para Deus. Essa é a graça progressiva, aquilo que existe como um processo na vida do cristão.

 

CONCLUSÃO

Paulo responde à objeção contra a livre graça, dizendo que, embora seja verdade que o crente não está sob a Lei (mas sob a graça), isso não significa que esteja sem Lei. Deve lealdade a Deus. De dois possíveis senhores, um exerce domínio sobre nós - Deus ou o pecado.

Para esclarecer mais, o apóstolo cita a lei da escravatura, vigente em seus dias. Um escravo podia comprar sua liberdade, pagando seu preço ao templo, isto é, dava o dinheiro do seu resgate a algum deus ou deusa; por essa forma, reivindicava a liberdade. Mas o dinheiro ia de fato parar, por via do templo, às mãos do senhor. Assim, a divindade resgatava o escravo do poder de seu senhor, e ele ia embora liberto, se bem que ainda escravo do deus. De semelhante modo, o crente é livre no sentido de se haver tornado escravo de Deus. Não é um irresponsável, sem senhor, porque Jesus é o Senhor de toda a sua vida.

O apóstolo reconhece a insuficiência dessa analogia, lembrando aos leitores que fala como homem e, devido à fraqueza da carne, isto é, à imaturidade humana. Paulo conclui seu argumento apelando para resultados ou frutos dos dois serviços, pecado ou justiça. Aquele dá lugar à vergonha e à morte; esta resulta em santificação e vida eterna.